sábado, 13 de dezembro de 2014

Poeta na visão de Poeta

O Valente das palavras e dos versos me deu um abraço quente.
Fez sorrir ao pedir para que ficasse mais alguns segundos, colado em meu peito
Valente das palavras e dos versos, enfrentou a timidez
E me convidou para um dois pra cá, dois pra lá.

Olha, Valente das palavras e dos versos, eu fiquei encantada.
Não que seja novidade meu inebriamento contigo.
Igualmente sou das palavras e dos versos. E dos passos.
Mas não dos passinhos, esses que você me convidou.

E eu sei que não preciso me preocupar com que roupa eu vou.
Existe alguma tempestade cintilada nos teus olhos,
Sorriso que não canso de apreciar.

E as roupas, ai, as roupas, esses deslizantes tecidos...
São as últimas coisas que eu penso
Ao te ver chegar.

(Deborah - 12/11/14)

domingo, 16 de novembro de 2014

Homenagem aos Anjos Caídos

Lá do alto da torre de mármore camuflada em concreto
Vivem os anjos da sapiência a debaterem a vida sofrida
Dos povos ainda afogados no lodo terreno
E fazem uso da língua que lhes é tão distinta e rebuscada
Para afirmar que tudo querem limpo
Sem nem ao menos descerem as escadas
E quando vão à terra contemplar suas feridas
Só o fazem sobrevoando com suas asas plumosas bem erguidas
Sentindo-se com aos antigos deuses do Olimpo
E gritando seu ininteligível dialeto
Que são os mais pobres, enquanto sujeitos, a única saída
Mas ainda assim se esgoelam como se comandassem objetos
E tampouco se dão ao trabalho de usar da linguagem comum à vida
Para se fazerem entender aos que dizem guardar afeto.

Depois voltam à morada do esclarecimento
E vão aos pares dizer do que ocorre lá pelo mundo afora
Um ou outro, ás vezes, faz que chora
Outro ou um ri de nervoso
E é geral o sentimento de impotência para com o sofrimento.

"Mas o que será que fazemos de errado? Por que não nos dão atenção?"
O mesmo que questiona, parece não ter notado
Que aqueles e a aquelas com os quais queria estabelecer diálogo
Estavam mais preocupados e nadar atrás de sustento
Para suas irmãs e irmãos.

E, então, no meio de uma dessas assembléias divinas
Onde só se fala a língua dos anjos e, por vezes, se repetem as falas
Sem conseguirem - por incrível que pareça - se entenderem
Alguém se levanta e sugere ao quórum:
"E se abríssemos mão das asas e fôssemos nadando como o resto?"
Silêncio na plenária e entre os corpos a tensão parece que exala
Até que um dos sábios à palavra se inclina:
"Essa proposta é um manifesto que tem por intenção fazer os anjos retrocederem!
Não devemos abrir mão de nossa verdade alcalina!
Pelo contrário, é daqui que damos a chance dos pobres ascenderem!"
Daí que se levanta mais uma vez o primeiro anjo para a réplica ao fórum:
"Mas como podemos lhes ensinar a voar, se nunca vamos ao chão?
Aposto, pois, que aqueles que dizemos querermos salvar dessa vida cretina
Quando nos olham, só sentem o sentimento mais indigesto!"
"Mas como podem nos olhar com tamanha repulsão
Se aqui pensamos para que se livrem de suas sinas?
Somos como eles e elas, mas agora aprendemos, por determinação,
A pensar com a razão, a voar para fim de observação
E a falar a língua mais bela que a todos fascina!
E para que todos possam usufruir dessas possibilidades o nosso constante protesto.
E além de tudo, a sua proposta me parece um tanto quanto assassina!"
Quando o absurdo ascendeu e as palmas vieram contínuas
A esperança de súbito desfaleceu e foi chorar na colina.

Talvez os anjos precisem ter as asas arrancadas pela dura repressão
E que sejam sugados pelo lodo mais funesto
Pra se lembrarem que só se aprende a voar de baixo para cima.

domingo, 2 de novembro de 2014

Conversa Fiada

Não sei quanto a você.
Tudo que tenho são especulações da minha identidade
Há muito acuso a mim mesmo por faltar comigo à verdade
E navego pelo íntimo caçando uma realidade de cada vez

Mas a realidade tá no mundo!
Tudo bem, eu aceito o argumento
Mas me defina por favor de qual mundo falamos no momento
Desse que se apresenta a meus olhos imbuído de sentido
Que a mim serve de explicação?
De um outro mais imaginativo,
Mas que tem lá suas provas de estar vivo
Através de suposição,
Ou do que vive em meu universo criativo
Mas que se reproduz na materialidade, por mim, em cada ação?

Você está confundindo prática com intenção?
Não!
Estou dizendo que os mundos se unem por pontos invisíveis
Mas que não são uma só figura definitiva
Que há sim mais de uma intersecção
Mas que entre todas a possibilidades há incríveis alternativas!

Nossa, quanta ilusão! Que romantismo barato!
Bom, peço perdão por estar um pouco anacrônico, talvez
Na forma de enxergar toda essa composição que me forma
A visão pra além do que relato
Ou talvez pra além do que me cabe relatar de uma só vez
E também me desculpo por acreditar que está dada sim a norma
Mas que esta própria em todos os mundos tem solução
E que só a tem
Porque sofre influência de outros aparatos, apesar de não ser destes refém.

Não tem vergonha de tamanha arrogância sob o véu de contemplação?!
Tenho vergonha de muitas coisas características em mim latentes
Mas, na verdade - se é que isso existe - tal reflexão
Não me toma em constrangimento
Tampouco me serve de corrente para estagnar minha desconstrução
Ou de instrumento para justificar o que em mim precisa se tornar diferente.

Então pra que te serve toda essa categorizarão, senão pra relativizar?
Boa questão. Vou deixar alguns motivos:
Primeiro, me segura em estar vivo ao me lembrar que tenho opção
Segundo, me conforta a orientação que adotei pra que a ela possa ajoelhar
Sem duvidar nem por um segundo de seu crivo
Por terceiro me deixa livre o pensamento pra sonhar

E, por último, mas não menos importante
Me faz lembrar que cada instante é aprendizado mútuo
Que da cada integrante de todos os mundos é agente bruto
A ser lapidado como diamante
Mas que o formato de tal jóia há de ser sempre projeto
E nunca uma constante
Tampouco que existe algo passível de ser por si só certo
Cada ponto variante é sujeito e objeto.

Meio pós-moderno tudo isso, hein?
Pode ser, mas a quem posso mentir?
Também sou fruto do que aprendi
Peça de meu próprio tempo histórico
Mas por essa distinção de mundos sei que estes vão pra além
Do que se pode divagar por qualquer artifício retórico
E eu vou junto desde o momento em que nasci.

Acho toda essa fala uma ladainha deslavada.

Isso é porque minha alma é suja, minha mente é festa
E meu corpo é disfarce
Mas, penso, que dessa união não há quem fuja
E que toda essa figuração é um enlace
Criado pela ineficiência ansiosa da razão.

Mas, de fundo, como todo o poeta, minha fala é cilada
E que, provavelmente, com toda essa digressão
Você não tenha entendido nada.


(Arthur Valente)


quarta-feira, 1 de outubro de 2014

Diálogo Reflexivo

Explodia de ódio ao olhar a torpe figura
Que delirava ao céus pedindo por misericórdia
Não contentava-se em ser da discórdia
O semblante mais claro e a mais pomposa postura
Ainda se dava o direito de chorar amarguras
Como se fosse ele a vítima de sua própria secura
Como se o choro fosse de si uma espécie da paródia

Lembrava-o que tinha sido criado pra ser rei
E que como todo déspota construído não podia sentir
Que cada traço de sua alma era um fragmento da lei
Que rege da sociedade ao ato de oprimir
Que era ele o motivo da violência
E da ausência de suporte a quem não tem o direito de existir

E foi então que ele me disse estar arrependido
Que sendo assim, se pudesse, nem tinha existido
E eu ri agraciado pela facilidade do discurso
Mas sabia que sua vontade não passava de recurso
Pra tentar ser aceito e contemplado pelos que maltratou
E adentrar o universo da dor que jamais o preocupou

"Pois se este é seu desejo, jovem príncipe branco,
Frio e assassino como a própria neve de inverno brusco,
É seu trabalho se quebrar em pedaços minúsculos
E se refazer à luz dos que, por sua existência, viveram a vida em trancos
Construídos socialmente pelo o que nomeia o consenso como essência

Mas, veja bem, que uma vez quebrado o pilar do falso ser
Que, na verdade, é estar,
Não há caminho para o qual se possa voltar e estará fadado
A ficar marcado como um injustiçado
Lutando pra sobreviver
E pra um dia ter seu direito de viver assegurado

E saiba que pra cada pedaço seu despedaçado
Há de vir crescer um pouco mais seu coração
Mas na medida em que puder sentir de fato o mundo em seu entorno
Também aumentará a dor, a cada vez que errar, da frustração
Abrindo mão de sua nobreza injusta e detestável
Se tornará mais nobre de espírito, mais forte e apaixonado
Mas também mais vulnerável
Ao pior que os, assim como você hoje normatizam a diversidade,
Podem fazer pra verem morrer aquilo que no mundo é mais bonito e inabalável
A rama inacabável das possibilidades

Quer lutar pela justiça, pela liberdade e pela nova era?
Então, não espera e começa a se quebrar como mineiro
Mas lembra todo o dia que o mal não morre nunca por inteiro
Que estará sempre a disputar sua alma, por mais que seja ela sincera
Que lembrará sempre dos tempos em que não precisava fingir à regra
Porque era a regra brincando de exceção
Mas não se deixe ajoelhar a tal sermão e foge do poder do dinheiro
E lembra que o desejo de ser aceito não pode ser a fera
Que irá deixar tua bondade cega
E fará com que abandone suas irmãs e irmãos
Para ser, mais uma vez, do exército, não da revolução
Mas dos herdeiros do trono do opressão.

Seu destino nunca cela até que o momento do fim venha
Então não faça pouco de seu esforço, mas não pense que a mudança virá logo
Lembra todo o dia do tudo que está em jogo
Lembra que ser do corpo da resistência depende da sua prática
Lembra que a estratégia não tem importância se não há ação tática
E que ainda vai se magoar muito e principalmente a quem ama
Mas que isso não motivo pra se entregar à norma estática
Perversa e cruel a deixar o mundo, aos vivos, como afundados numa poça de lama

Boa luta, jovem guerreiro
Se apega em quem te demonstra lealdade e carinho
Toma cuidado na trilha, mas saiba que não está sozinho
E não tem pressa que os últimos ainda hão de ser os primeiros."



(Arthur Valente)

quarta-feira, 24 de setembro de 2014

O Segredo do Segredo

A roupa do rei foi deposta
Cai a casa, ergue-se o parlamento desnudo
A moça veste o que queria despir de costas
O moço tem vergonha do que disse ser graúdo
E a mente da gente toda cansada agora tosta

A casa do parlamento tosta
Cai, do rei, vergonha do que disse ser desnudo
A moça agora toda cansada da mente deposta
E a gente ergue-se, veste a roupa de costas
Foi o que queria despir o moço graúdo

A moça ergue-se de costas
Cai do moço a roupa, a vergonha foi deposta
A casa do rei, o parlamento, a gente tosta
E a mente toda veste o que queria graúdo
Desnudo, a despir, tem do que disse ser cansada agora

A linguagem, por praticidade toda,
Não guarda em si uma só verdade
Mas, ao que se quis ver,
Ao que se possa ler.

Mas, por verdade, a linguagem ao que se quis ler
Não guarda em si ao que se possa ver toda
Uma só praticidade.

A praticidade por toda a linguagem,
Guarda em si uma só verdade,
Não ao que se possa ver
Mas ao se queira ler.


(Arthur Valente)

quarta-feira, 17 de setembro de 2014

Dos Desabafos

Não ligava muito ao fato
De que durmo como pedra e,
Como pedra, não sonho quando durmo
Porque antes sonhava acordado
Mesmo e apesar do mundo medonho
Que em meu entorno se põe exclamado
E mesmo e apesar do céu acinzentado
Que encobre o sol pacato
Durante o período diurno

Mas ultimamente parece que me empedrei por completo
Tanto que até faço uso de palavra nova e recém-inventada
Porque me falta vocábulo pra conceber onde, como e quando, neste trajeto
Aconteceu de minha sede de sonhar ter sido soterrada
E nem ao menos eu poder saber se encoberta foi pelo concreto

Acho que não.

Acho que talvez deva mudar de ramo, sair da arte
Viver de objetivos plausíveis, de conta no banco
De mentiras bem contadas, de cegueira auto-imposta
Pra nadar num rio de bosta
Achando que é isso mesmo, sei lá,
Que faz parte.

Mas não consigo..

Reza a lenda, diz o poeta, o profeta, tanto faz
Que quando se dá um passo a frente, o único problema
É que não se pode voltar mais atrás
E ai se vive o dilema que fica ali posto
De não saber se é melhor viver ignorante e abraçar o sistema
Ou saber que existe, ter a consciência como lema
E morrer de desgosto.

Mas, veja, mundo feroz, hostil e doente
Que nem todo o mundo é gente, quando vista de cima
Que nem todo o mundo pode escolher ignorar teu discurso prepotente
A qual fazes e desfazes, cria prédios, cria cidades, quebra o clima,
Pra deixar a ti mesmo, ó grande entidade,
Sempre forte e potente.

Dane-se! Quer saber?! Se até os sonhos me roubastes,
Vou viver de esperança, de inspiração, de resistência e conhecimento
Porque sei que esses quatro estandartes
Não importa o tempo, o espaço, nem o momento
Só podes tomar de mim se, enfim,
Me matares.

E digo já que não tenho mais medo da demência
Da repressão, do tormento nem da tua tão amada e tentadora ganância
Tenho medo é de ter medo da tua face e, numa temerosa incoerência,
Ver em ti alguma segurança.

Morro de fome ou do que tu quiseres me matar
Mas morro de consciência tranquila
E te garanto, ó santo patriarca da família
Que antes do fim ainda volto a sonhar.


(Arthur Valente)

sábado, 6 de setembro de 2014

Dos Testamentos

Começo este relato-confidência
Anunciando de forma clara em tom de verdade
Que espero ter da vida ainda muitas reticências
Mas que sei que o ponto final fica à cargo da casualidade

Queria dizer que, apesar da pouca idade,
Carrego na memória e no presente já certa vivência
E digo tal coisa com tanta propriedade
Porque já tanto passei desespero, quanto exalei felicidade
E que mesmo aglomerando tantas e tantas presenças
Explodi mais de uma vez de saudade

Queria aproveitar o momento de inspiração
Pra versar sobre o que a mim faria sentido
De acordo com o tudo que sou e tenho vivido
Caso meu espírito perdesse o vestido
Ao qual nomeio como corpo, ou projeção

Ao invés de choros, velas e nostalgia
Gostaria eu que meu próprio velório fosse celebração
Que, regado à célebre batucada provinda da Bahia,
Todos os presentes, juntos, entoassem coros até o nascer do dia
E que enchessem-se de cachaça à revelia
E um feijão preto bem feito pra fim de sustentação
Dando a meu pai Ogun, mestre da simpatia e da rebelião
Uma noite que, ao invés de silenciosa e fria,
Fosse quente, de folia e de célebre oração

Minha consciência e meu espírito já descolados
Frente a uma visão como a que projeto
Poderiam, então, amansados
Fazerem-se livres por completo
E sem a menor preocupação

No fim, gostaria de ser cremado a céu aberto
E, caso sobrassem restos de minha ex-materialidade em decomposição,
Que fossem enterrados sob a selva de concreto
Da qual fui filho tanto desafeto quanto dotado de paixão

No mais, antes de tudo, que sejam dadas as partes de mim que servirem
Para que outros, ou outras, possam persistir
No ato de curtirem
Um pouco mais do que essa vida possa lhes servir.

E já digo, de antemão, que sou e espero ainda poder
Ser grato pelo tudo o que por aqui verei e vi
E principalmente pelos, e pelas, que por aqui
Tive o privilégio de conhecer.

Asé.
Até quando puder, aonde e a quem.
Amém.


(Arthur Valente)

sexta-feira, 5 de setembro de 2014

Oração à Bonança

Deságua o mundo em nosso entorno
Jogados estamos sem refúgio, nem resguardo
Olho-te o rosto molhado
E penso que a chuva não é mais que adorno
Frente ao nosso choro desenfreado

E era claro, que em meio ao breu
Haveríamos, finalmente, de desnudar
Aquilo que entendemos, individualmente, como eu
Pra que o nós tomasse lugar

Depois que passara a tormenta
Finalmente pude confiar em teus dizeres
E finalmente tu me compreenderas os atos
E percebemos, penso, que apesar da forma violenta
O conteúdo é, no centro, amor do mais fino trato
E na margem a explosão mais sincera dos prazeres

Em teus olhos de verde-água doce
Cai de cabeça e fui nadar dentro de ti
Afoguei-me em tua história, fosse ela qual fosse,
E notei que em teu corpo, minha alma fundi

És a consciência viva de um deus africano
Mas a tua projeção carrega um traço germânico
E vejo que mesmo em teus movimentos mais mecânicos
Há um espaço de vida oceânico
No qual nadaria a perder de vista mais de um ano

Encanta-me a tua fala concisa e empoderada
Conforta-me o teu jeito meigo de tratar quem amas
Fortifica-me a tua existência gigante e inflamada
E me excita teu saber em agir na cama

Cada parte tua é Sol do mais brilhante
Cada toque é explosão atômica de gozo
E mesmo quando expurgas o que é, a ti, mais angustiante
Vejo em ti o retrato vivo de um ser tão maravilhoso
Como jamais havia visto antes

Espero que daquela noite de tempestade
Venham frutos firmes e adocicados como a tua fala
Pra que o choro, numa próxima, seja só de saudade
E pra que sejamos, um do outro, amuleto e mandala
Deixando para o quarto, cozinha, chuveiro e sala
E não mais para uma quase-vala
Todo o, não mais doloroso, mas prazeroso alarde.



(Arthur Valente)

sexta-feira, 15 de agosto de 2014

Dos Vômitos

O amor é como a morte
Não dá aviso prévio, nem alarde quando vai chegar
Entra sem bater, sem pudor
Traz consigo, juntos, o alívio e a dor
E oscila sensorialmente entre azar e sorte

Quando a morte se apresenta simbólica
Quando não é do físico, mas do emocional
Por exemplo
Mesmo com toda a carga melancólica
Não concebe o quão imensa e visceral
É a cólica
Causada pela dor de amor real
Que nos infla e preenche o corpo carnal
E que se assenta como a uma catedral
Ou um templo

Entre a morte e o amor
Há quem diga que a primeira é mais forte
Ao comparar o resultado de ambas quando abertos os cortes
Mas pensemos, pois, que a primeira, dependendo, vira suporte
Já o segundo, não sei se por rancor ou por esporte
Pode corroer a alma do portador

E mais que tudo isso
A morte, não sei se fim ou se início
Sabe que amar está além de seu próprio poder

Já o amor tão desejado
Se fizer do amante um maltratado
Acaba matando - simbólica ou literalmente - mesmo sem querer


(Arthur Valente)

domingo, 20 de julho de 2014

Ponto Forte

Teus olhos furtivos me roubam a concentração
E me curam a afobação mesmo nos momentos mais agressivos
Deixando-me sempre a condição ininteligível
Que és em mim a própria substância da paixão

Sinto tua falta todos os dias
Falta da arte que és só por existir
Me apertas o peito, sem saber, nas noites mais frias
Contagia-me de poesia que, de ti, é elixir
E transborda lirismo sem usar de uma só caligrafia

Como se não bastasse, refletiu-me em verso
A partir de tua vista tão cautelosa
Ao exalar de tua pena o cheiro da mais doce rosa
Chamou-me de azul neste teu vasto universo
E agora, de modo inverso, devolvo-lhe a menção honrosa
Mas com a certeza que em minha vida teu ingresso
Não caberia na mais sublime prosa

Sinto apreço pelas tuas sutilezas escrachadas
Pelas tuas incertezas ponderadas
E pela tua encantada leveza

Atrai-me tua essência misteriosa
Tua paciência fervorosa
E tua caridosa inteligência

Coloco-me à tua disposição
Mais por necessidade que por opção
Mas quero que fiques à vontade
Pra reconhecer em tua sensibilidade
O quanto é válida essa nossa relação
E já digo, de antemão,
Que se queres saber a verdade
É que não há só uma tua parte
Que não seja inspiração.


(Arthur Valente)

terça-feira, 15 de julho de 2014

Dos Diálogos

Nada denuncia mais do que o olhar
Basta que as janelas se cruzem
Pra que as almas saltem de seu lugar
E se alcancem mutuamente num diálogo silencioso
Mas tão honesto que faz inveja tanto à língua
Quanto ao ato de falar

É pela curva dos olhos que fica mais perceptível
A forma com a qual o ser
Torna-se tudo o que tem capacidade
Para se tornar

A íris age como agente sensível
Mostrando o até então latente querer
Ao entregar sem resistência a verdade
Que de tudo fizera pra não se mostrar

Olhei o teu olhar no meu grudado
E não precisastes mais usar, da fala, um só recurso
Pois o que com ele me foi falado
Não alcançaria dizer nem o mais poético discurso

E falamos tantas vezes sem dizermos quase nada
Por horas escrevemos as mais sublimes confissões
Que saíam como expressivas projeções
Criadas por nossas almas apaixonadas
E exportamos todas as emoções
Sem que precisássemos fazer uso de qualquer linguística ensaiada

Entre nossas janelas agora se criou um elo
Tão fortificado e belo que não há no mundo
Corte suficientemente profundo
Que destrua o ligamento construído pelos gestos mais singelos

Não temos o que temer
Tampouco são nossas inseguranças carregadas de sentido
Confio que seremos, a nós, o melhor que pudermos ser
E que mesmo se um dia ficar o coração partido
Ainda assim encontraremos neste vínculo tão bem construído
A razão mais clara pra continuarmos a viver.


(Arthur Valente)

terça-feira, 8 de julho de 2014

Contato e Improvisação

Agradecimentos à Larissa Neves - poetiza, musicista, escritora, atriz, roteirista, boniteza e futura historiadora - que me abriu os olhos pra essa vertente artística incrível. Gratidão :)

Corpos balançam em dança
São, primeiro, caricaturas de um elemento
Que mais parece entidade
São o próprio vento
Que num momento é tempestade
E em outro parece que amansa

Depois são amostra de rara leveza
E há algo sutil em seus jogos de olhar
Comunicam-se com demasiada destreza
E há certa ingenuidade latente que atiça
Pra depois ser malícia encoberta em véu sereno

E eis que paira sobre o ar
Como se fossem juntos uma só natureza
Uma atmosfera de beleza
Entre os doces venenos e as brutas carícias
Que não há quem não queira se entregar
À delícia
De sentir-se pleno ou plena
E de marcar a cena
Para si e para sempre
Em seu corpo terreno.


(Arthur Valente)

domingo, 29 de junho de 2014

Cárcere

Quando a alma se fecha em suas próprias amarguras
As palavras se aquietam, os gestos são brutos
O corpo grita em silêncio como se estivesse em luto
E o frio dá aos beijos antes molhados uma fúnebre secura

Os corpos parecem distantes, os olhares parecem carrascos
A poesia perde importância na hora que deveria mais importar
Os olhos secam de medo quando deveriam só desaguar
E o gosto morre de tédio pra dar lugar a todos os ascos

O céu acinzenta quando aberto
E parece espelho
Quando encoberto

O futuro antes sublime e incerto
Forma-se um pentelho
E ascende desafeto

Todo o desabafo soa como vitimista
Todo o altruísmo parece forçado
Todo o amor some sem deixar pista
E de amor fica o âmago esfomeado

O mundo parece não ter jeito
O peito parece trancafiado
Os conceitos gritam desenganados
Invalidados ficam todos os feitos

Perde-se a esperança entre mundos de juras
Mas se mantém viva como ao corpo cansado
A vida parece ter se dissipado
Mas é fase, é momento
Já já passa o tormento
Logo o presente vira passado
E alma se liberta de suas próprias amarguras.


(Arthur Valente)

quarta-feira, 18 de junho de 2014

Merecimento

A festa agoniante
Se mantém pela mescla da demência
Com o tom cativante

Revela-se no semblante deste jovem
Itinerante
Que me freia o pensamento
Pra pedir um cigarro
Que sarro a sua embriaguez relutante
E sua dócil fala inocente
Por entre o sorriso banguelo farsante

Perdido na praça coberta de verde-amarelo
Cercada de bandeiras entediantes
Que tentam encobrir toda a carência
Causada pela violência
De nós, ignorantes
Parados como cães de audiência
Ao protagonizarmos presença
Babando a fome de frente
No espetáculo do narcisimo galopante
Marco da crueldade intensa

Que momento épico!
Bastou nada e fomos fisgados
E calados pelo mesmo anzol
Mas se até não negar hoje é doença
Dêem-me a sentença
Sou mais um histérico

Afinal, fora o mundo real
É só mais um dia de sol
E é só futebol. Não faz mal.
É só futebol.


(Arthur Valente)

domingo, 8 de junho de 2014

Dos segredos explícitos

A liberdade é de fato nossa própria substância,
Basta que lhe permitamos a ação
Basta que lhe confiemos a vivência
Que toda a experiência toma a forma de evolução
E a felicidade vira o alicerce de maior relevância
Da existência

A rebeldia ativa contra as barreiras
Que cercam os espaços preenchidos
Pela sociedade doente de narcisismos destrutivos
Pode não conseguir que cedam de primeira
Mas ao manter-se a martelar de modo incisivo
Ganha a força de uma escavadeira
E vai até a raiz do sistema invasivo
Deixando-lhe a não mais do que poeira
E dando ao corpo-alma agora livre
Motivo claro pra estar vivo

Se é o indivíduo um reflexo de seu mundo
É também o mundo o reflexo de sua identidade
Logo, com coragem pra descobrir-se sempre mais a fundo
Fortalece a mudança que quer ver na realidade
Pra cada atitude ofensiva contra a crueldade
Torna-se o normal cada vez mais moribundo
E o viver se concebe em diversidade

De nada adianta o sectarismo
Quando o fazemos, não só deixamos de aprender
Mas nos perdemos do idealismo
Não passando o discurso de mero achismo
Ao invés de o que por lógica deveria ser
A teorização de nosso empirismo

A libertação
É o ópio
De mais forte sensação

Mas ao invés de alienação
Tem o poder próprio
De ser, em si, elucidação.


(Arthur Valente)

quarta-feira, 4 de junho de 2014

Sua retórica já foi melhor

Não consigo mais me expressar
Antes vomitava pesares inacabáveis como rotina
E agora os que me inflam tomam forma de toxinas
A corroer-me a força do caminhar

As palavras não vêm, não gritam, não nada
Não se formam mais em meus devaneios
Nem me auxiliam nos anseios
Que como pedras meu corcundam a alma pesada

Não sei explicar, tampouco convencer
Mal consigo acreditar no que penso ser o certo
Tampouco trazer a um âmbito mais concreto
O tudo que me contorce a lógica pra desenvolver

Não sei mais poetar, nem contar
Não sei mais brincar de eu-lírico
E mal consigo extrair do empírico
Toda a inspiração que me levava a versar

Vão-se os versos, fica a tristeza
Vai-se a beleza, fica a sinceridade
Vai-se a verdade, fica a incerteza
E vai a correnteza a me arrastar pela cidade

Fica a cidade, vai-se a doçura
Fica a frieza, vai-se a paixão
Foge o tesão de fazer-se de cura
Fica a loucura da introversão.

Um dia eu volto pra poesia
Quando e se reencontrá-la por ai
Se nada é como um dia após o outro dia
E se a partir do nada é que tudo se cria
Que eu seja, então, recriado pelo o que ainda não vivi

E que pra mim a poesia volte, um dia
Melhor ainda do que era antes de partir
Pra que eu seja reparido à luz da filosofia
Que tenha a alegria como base de existir

Apesar de, com certa franqueza,
Saber que se não houver tristeza
Não há como haver sentido no ato de sorrir.


(Arthur Valente)

sábado, 24 de maio de 2014

Mas a vida é real e de viés

Queria poder viver em um mundo
Onde a sede de liberdade
Não sucumbisse de forma tão trágica
Às desesperanças e fracassos
Que a história documenta

Queria ver se erguer a tormenta
Que levaria de forma mágica
Toda a fragilidade
E os medos mais profundos
Cedendo à coragem seus espaços

Queria notar o tempo num novo compasso
Onde o quando, se justo, seria logo
E quando o onde fosse indiferente
Pois, a casa seria em qualquer chão que a comportasse
E a fraternidade seria a substância chave da política

Queria ver nutrida a rebeldia por agora raquítica
Nadar numa corrente de utopias que, por pressa, me afogo
Escrachar o conformismo consciente
Ver os preconceitos mortos e em pedaços
Cedendo o posto à insurgência de classe

Queria tudo pra agora
E é pela pressa que me sinto impotente
Afinal, o tempo do mundo é uma calma senhora
E o tempo da vida é uma explosão adolescente

Tenhamos calma e compaixão com a tal idosa
Pra ajudá-la a caminhar sob nossa supervisão
Sempre valorosa
Mas deixemos de lado a arrogância
Pra não sermos devorados por nosso alcance escasso
Ao assumirmos a ignorância
De querer levá-la nos braços.


(Arthur Valente)



quarta-feira, 21 de maio de 2014

Prólogo

Vai começar a festa!
Vem a primavera, com toda a potência que lhe cabe,
Gritar aos quatro cantos que chega a hora da insurgência
Daqueles que antes só eram convocados a encherem os balões
Dos patrões que, em troca,
Ofereciam-lhes pouco menos que a subsistência
Afirmando que era justo atribuir à miséria
O sentido matéria de sua existência

Eis que surgem dos confins da desesperança
Crianças, ainda pouco experientes,
Mas com o coração efervescente pela mudança
Tão esperada e comemorada
Que ainda se mostra latente, apesar de escrachada
E rebuscada, apesar de coerente

Finalmente o espírito de luta
Mescla-se ao senso de justiça comunitário
E mostra-se pelo esclarecimento do pensamento ordinário
Como a um diamante ainda em forma bruta
Que ganhará a função de relicário
Na medida que não há nada mais sacro
Do que a busca por deixar um cruel sistema em cacos
Para erguer-se outro mais igualitário

A consciência se desdobra em reflexos de genialidade incontestáveis
E agora têm, os poderosos, de escutar a verdade
Que lhes chicoteia tal qual um açoite
Que os povos não lhes servirão mais de bobos da corte
E que os defensores implacáveis da escuridão
Serão passados tanto quanto sua era de noite

Descobrimos, passo a passo, que somos a força motriz
A segurar de pé
Nossos próprios carrascos de má-fé

É primavera, aproveitemos o asé
Pra cortarmos de vez a crueldade pelo pé
E o mal capital pela raiz.

Deixo a visão aos ainda apáticos
E descrentes
Que esse baile plutocrático
Se tomado pela brilhante ralé por agora
Desobediente
Pode até ter final feliz.

Pois que se transforme a flora
E que se aflore a gente.



(Arthur Valente)

terça-feira, 20 de maio de 2014

Religare

De que vale a liberdade de poder dizer
Que vivo preso
À realidade que me foi ensinada a crer
Por senso
Como sendo a verdade inescapável de se viver?
Que peso...
Desde que comecei a de fato aprender
O quão denso se faz o ser
Ao estar enjaulado à máquina mortífera
E pouquíssimo frutífera
À qual, por vaidade, nomeiam como o viver

Morro todo dia ao não ver saída
Pra esta tão estranha
E contraditória
Forma de vida.

Corro pra encontrar a esperança quase perdida
E a invoco de minhas entranhas
Exaltando-a em minha oratória
Que torna-se morna por tanto já ter sido repetida

Abstraio os torpes valores que a mim são passados
E, desenganado, renovo os critérios
Continuamente
Do sagrado mistério
Que reina sob o barulho dos tambores
Tocados
Que ascende por entre os amores
Trocados
Que adoça a delícia dos sabores
Mesclados
E que ilumina a alma dos esperançados
Deixando-as mais brilhantes
Do que o brilho combinado de todos os cobiçados
Minérios


(Arthur  Valente)

quarta-feira, 23 de abril de 2014

Choque de Realidade

Prepare seu coração, pessoa
Sem metáforas, nem lirismo
Prepare-se que o mundo ai fora é um barco
A ir na contramão da terra nova
Contemplando o conformismo piegas
Deixando a esperança em cacos
E derrubando os sonhos pela proa

Prepara teu ouvido, mente pensante
Que ainda há de ouvir muitos discursos intolerantes
Apesar de refinados
E bem letrados, apesar de pedantes

Prepara tua alma livre, pois logo enxergará a tua prisão
E perceberá que o Não é vício cultural
Assim como fazer o mal a teu semelhante
E que não passarás de um resquício mortal
Por mais que tentes te fazer gigante
Correndo o risco ainda de terminar como vilão
Tanto para o lado que te agrada o sermão
Quanto do outro que tu julgas ignorante

Estamos todos no inferno, disse Dante
E devo-lhes confessar que aqui faz frio
Que é sujo o rio, que é feio o semblante
Tanto quanto vazio

E que é melhor que te preenchas logo de potência
Pra largar de vez aquilo que chamam de sanidade
E entregar-se à demência saudável
Que mora na sensibilidade

Criança, vê bem
Ou enche-te de esperança
Pra manter-se zen
Ou será para sempre apunhalada
Pela lança do desdém.


(Arthur Valente)

quarta-feira, 9 de abril de 2014

Dos Devaneios

Ai, ai... Bom seria se fossem as trocas comerciais
Como são, num aspecto metafísico,
As trocas emocionais intrínsecas à natureza mais humana
Assim talvez não fossem as trocas transcendentais
Equiparadas às trocas comerciais mundanas
Sendo, portanto, rebaixadas à rotina
E deflagrando inacabáveis cismas
Desde muito tempo atrás
Fazendo-se contrariar pela consciência
Sua essência natural que é tão cigana

Puseram os olhos de ressaca em pagãos altares
E agora andam ressecados pela abstinência
Que brota na ausência
De novos olhares. De novas carências.
De novas experiências que lhes poderiam ser tão complementares
À vivência.

Invejam D. Quixote sem saber que o fazem
E andam no pinote tal qual o velho cavalo empático
Que andava ao sentir o estalar do chicote
Vindo do herói dos lunáticos.

Às vezes se veem como Sanchos
Mas não passam de pança,
Pois lhe falta esperança tanto quanto lhes falta coragem
Pra seguirem viagem
Tendo numa mão a lança da insurreição
E na outra, um escudo de proteção fundido na confiança
Em querer emancipação.

Ai, ai.. Bom seria se ao invés de exaustão
Nos preenchêssemos de amor
E de compaixão
Ao invés da paixão depressiva por ser senhor

Melhor ainda seria se essa fala
Não fosse tão vazia ao ser dita e repetida todo o dia
Pela mesma boca prevenida que ao querer falar,
Cala
E que, ao invés de malas
Carregássemos asas
E voássemos à luz da liberdade
Que lembraria a imensidão do mar, contrastando a neblina
Da cidade
E que ao pousarmos, os que já no chão estivessem
Não precisassem, por convenção, fazer sala
Nem uma atuação de anfitrião rasa
Pois estaríamos todos em casa.

Que bom seria..


(Arthur  Valente)

segunda-feira, 10 de março de 2014

Insônia

Luz baixa de manhã tímida
Que já viera, mas ainda não chegara de fato
E amolece o tato ao vento que sopra
Contra o rosto insone e cansado de desidratar
Em saudade

Queima a alma pouco sã de sua própria demência
Mas não faz alarde a aparência
Que faz da cama seu divã

E forma-se a efervescência
Que toma a filosofia por ciência
E tem por essência servir à consciência
Como vilã

Faz tanto tempo que parece que foi ontem
E o que foi ontem nem lembrava mais de ter sido
Até que o reencontre em outro sono perdido
E que os sentidos se aprontem
Pois não me caberão para serem engolidos

A luz reflete sobre o quadro torto
E no outro mais bem colocado
E ambos parados
Me olham a vê-los com o olhar morto
E deslocado
Como quem olha um barco a zarpar do porto

E vou-me embora pelos quebrados
Da mente
E penso em gente do passado
E do presente
Ficando doente de tão elucidado
E curado de ser prepotente
Pelo repente disritmado
Que são os caminhos curvados
Repletos de paus tortos e desvirtuados
Do senso pré-estipulado
Que é imposto à vivência

Às vezes a saudade dá carência, é verdade
Mas ensina, quase sempre, que a vaidade não é atadura
E que a realidade parece sempre menos dura
Quando prevalece a paciência.



(Arthur Valente)

terça-feira, 11 de fevereiro de 2014

Diga lá, meu irmão

O que é esse caos descontrolado?
E esse ódio tão sinceramente exposto
Por estes mascarados eufóricos
Profanadores do comportamento geral?

O que são esses meninos desalmados
Esfomeados de desgosto
Que já sujaram seu histórico
Antes mesmo da idade penal?

O que é esse som reverberado
Invadindo o público que não lhe é posto
Gerando preconceitos retóricos
Apesar de tão gostado pela massa?

O que são essas mortes violentas
Causadas friamente por quem tem posto
Tão cruéis e corpulentas
Por motivo de classe e de raça?

O que é tudo isso no envolto da beleza
Que não quer deixá-la livre
Pra ser o que se é?

O que é toda essa frieza
Sorrindo por trás dos calibres
De uma mãe que mal nos quer?

É o motivo pra sair de casa
Criar asas
E conquistar o tudo que é nosso
Mas que ainda não é.



(Arthur Valente)

segunda-feira, 3 de fevereiro de 2014

A novidade vem da praia

Suo salgado tal qual o suíno
Balbucio besteiras como a um letrado babuíno
E como sou pouco comportado quando vivo
Quando me ignoram as ordens e os hinos
Quando só a mim e a quem me inclino
Por amor, sirvo

Viro bicho civilizadamente selvagem
Deixando descansar um pouco os ombros cansados
De tanto carregar as impalpáveis bagagens
Que me acompanham desde onde alcança o horizonte
Do passado.

E como canto alto e grito e faço e aconteço
E como desfaleço feliz a cada trago
Lembrando que ainda ei de acordar sossegado
Mesmo que doído
Com os carinhos inacabáveis do meu amor
Não mais perdido.

Esqueço como sou alegre e livre por essência
Mas não aqui. Não sobre o areial
Que sustenta o coqueiral a sambar com a cadência
Do vento mesclado em sal.

Mamãe, odoyá
Obrigado por me lavar as partes
As dores pungentes
E me transmitir pelo tato todas as vertentes
Das mais belas artes
E das mais nobres gentes

Salve, Oxóssi
Pela cura das matas
Opostas às pedreiras inacabadas
Da amada cidade
Que é também tão ingrata

Papai Ogun
Dai-me a força de teus braços
E o conforto de tua coragem
Pois sei que não importa qual será a próxima viagem
Nem se a passagem é só de ida
Porque por onde passar-me as imagens
Caminharei de cabeça erguida
Frente ao desconhecido que é em si a vida
Sem pele ou roupagem


(Arthur Valente)

segunda-feira, 13 de janeiro de 2014

Hoje

Hoje homenageiam profanadores de crianças
Divinizam diabólicos pastores
Deixando a herança dos dissabores
Às mudas de flores sedentas de esperança

Hoje cantam festa onde reina a fome
E pregam que o ódio tem nome de paz
Fazendo a justiça de bomba de gás
E pisando nos restos do corpos que somem

Hoje proíbem a gente de ser gente
E é hoje mais quente a tensão que o verão
Hoje falta à geração o que sobra no pente
A disparar sementes de medo e opressão

Hoje mentem repetidamente pra criar verdade
E fazem da vaidade seu mais forte refrão
Mas quando a pobre mocidade reflete tal idealização
Ai, com balas e grades, dizem que não
Saudando a apreensão da ideia de igualdade
E tomando a liberdade de quem nem sempre ostenta pão

Hoje trazem a copa que transborda em privilégios
E propagam que a todos será dada de beber
Mas ainda não sabem que sua vaca de poder
Vai logo pro brejo
Quando as mulas dissidentes dos colégios,
Ds igrejas, dos quartéis, e do obedecer
Devorarem o capim dos velhos sacrilégios
Dando espaço ao novo que não tarda a nascer.


(Arthur Valente)

domingo, 5 de janeiro de 2014

Ainda é cedo

Olha lá, moça
Ouve só que canto prosa
Lembra-nos que não esqueçamos das rosas
Mas que também não das poças

E diz ainda, veja só
Que parecem nos engolir
Nos esburacar
Mas que quem nos afunda
E inunda pra depois deixar a esmo
Somos mós mesmos

Ouve bem, flor
Que a cor do mundo é todas mescladas
E que viver é como subir escadas
Alterando-se só o corredor
O corrimão 
E a altura das escadas
Em relação ao chão

Mas te aquieta que do chão não passa
E que se não fosse o chão
Voar não teria graça.

Então voa, passarinho
Mantem-te a cantar como rouxinol
Vivencia todo o pôr-do-sol
Sem medo de ser feliz
E orgulhando-se das cicatrizes
Pois são elas as donas das diretrizes
Pra que tu alcances o Sol
A Lua, além, o que for
E daí, se quiseres, fazes ninho
Com ou sem raízes
Mas sempre com amor.


(Arthur Valente)