quarta-feira, 23 de abril de 2014

Choque de Realidade

Prepare seu coração, pessoa
Sem metáforas, nem lirismo
Prepare-se que o mundo ai fora é um barco
A ir na contramão da terra nova
Contemplando o conformismo piegas
Deixando a esperança em cacos
E derrubando os sonhos pela proa

Prepara teu ouvido, mente pensante
Que ainda há de ouvir muitos discursos intolerantes
Apesar de refinados
E bem letrados, apesar de pedantes

Prepara tua alma livre, pois logo enxergará a tua prisão
E perceberá que o Não é vício cultural
Assim como fazer o mal a teu semelhante
E que não passarás de um resquício mortal
Por mais que tentes te fazer gigante
Correndo o risco ainda de terminar como vilão
Tanto para o lado que te agrada o sermão
Quanto do outro que tu julgas ignorante

Estamos todos no inferno, disse Dante
E devo-lhes confessar que aqui faz frio
Que é sujo o rio, que é feio o semblante
Tanto quanto vazio

E que é melhor que te preenchas logo de potência
Pra largar de vez aquilo que chamam de sanidade
E entregar-se à demência saudável
Que mora na sensibilidade

Criança, vê bem
Ou enche-te de esperança
Pra manter-se zen
Ou será para sempre apunhalada
Pela lança do desdém.


(Arthur Valente)

quarta-feira, 9 de abril de 2014

Dos Devaneios

Ai, ai... Bom seria se fossem as trocas comerciais
Como são, num aspecto metafísico,
As trocas emocionais intrínsecas à natureza mais humana
Assim talvez não fossem as trocas transcendentais
Equiparadas às trocas comerciais mundanas
Sendo, portanto, rebaixadas à rotina
E deflagrando inacabáveis cismas
Desde muito tempo atrás
Fazendo-se contrariar pela consciência
Sua essência natural que é tão cigana

Puseram os olhos de ressaca em pagãos altares
E agora andam ressecados pela abstinência
Que brota na ausência
De novos olhares. De novas carências.
De novas experiências que lhes poderiam ser tão complementares
À vivência.

Invejam D. Quixote sem saber que o fazem
E andam no pinote tal qual o velho cavalo empático
Que andava ao sentir o estalar do chicote
Vindo do herói dos lunáticos.

Às vezes se veem como Sanchos
Mas não passam de pança,
Pois lhe falta esperança tanto quanto lhes falta coragem
Pra seguirem viagem
Tendo numa mão a lança da insurreição
E na outra, um escudo de proteção fundido na confiança
Em querer emancipação.

Ai, ai.. Bom seria se ao invés de exaustão
Nos preenchêssemos de amor
E de compaixão
Ao invés da paixão depressiva por ser senhor

Melhor ainda seria se essa fala
Não fosse tão vazia ao ser dita e repetida todo o dia
Pela mesma boca prevenida que ao querer falar,
Cala
E que, ao invés de malas
Carregássemos asas
E voássemos à luz da liberdade
Que lembraria a imensidão do mar, contrastando a neblina
Da cidade
E que ao pousarmos, os que já no chão estivessem
Não precisassem, por convenção, fazer sala
Nem uma atuação de anfitrião rasa
Pois estaríamos todos em casa.

Que bom seria..


(Arthur  Valente)