sábado, 24 de maio de 2014

Mas a vida é real e de viés

Queria poder viver em um mundo
Onde a sede de liberdade
Não sucumbisse de forma tão trágica
Às desesperanças e fracassos
Que a história documenta

Queria ver se erguer a tormenta
Que levaria de forma mágica
Toda a fragilidade
E os medos mais profundos
Cedendo à coragem seus espaços

Queria notar o tempo num novo compasso
Onde o quando, se justo, seria logo
E quando o onde fosse indiferente
Pois, a casa seria em qualquer chão que a comportasse
E a fraternidade seria a substância chave da política

Queria ver nutrida a rebeldia por agora raquítica
Nadar numa corrente de utopias que, por pressa, me afogo
Escrachar o conformismo consciente
Ver os preconceitos mortos e em pedaços
Cedendo o posto à insurgência de classe

Queria tudo pra agora
E é pela pressa que me sinto impotente
Afinal, o tempo do mundo é uma calma senhora
E o tempo da vida é uma explosão adolescente

Tenhamos calma e compaixão com a tal idosa
Pra ajudá-la a caminhar sob nossa supervisão
Sempre valorosa
Mas deixemos de lado a arrogância
Pra não sermos devorados por nosso alcance escasso
Ao assumirmos a ignorância
De querer levá-la nos braços.


(Arthur Valente)



quarta-feira, 21 de maio de 2014

Prólogo

Vai começar a festa!
Vem a primavera, com toda a potência que lhe cabe,
Gritar aos quatro cantos que chega a hora da insurgência
Daqueles que antes só eram convocados a encherem os balões
Dos patrões que, em troca,
Ofereciam-lhes pouco menos que a subsistência
Afirmando que era justo atribuir à miséria
O sentido matéria de sua existência

Eis que surgem dos confins da desesperança
Crianças, ainda pouco experientes,
Mas com o coração efervescente pela mudança
Tão esperada e comemorada
Que ainda se mostra latente, apesar de escrachada
E rebuscada, apesar de coerente

Finalmente o espírito de luta
Mescla-se ao senso de justiça comunitário
E mostra-se pelo esclarecimento do pensamento ordinário
Como a um diamante ainda em forma bruta
Que ganhará a função de relicário
Na medida que não há nada mais sacro
Do que a busca por deixar um cruel sistema em cacos
Para erguer-se outro mais igualitário

A consciência se desdobra em reflexos de genialidade incontestáveis
E agora têm, os poderosos, de escutar a verdade
Que lhes chicoteia tal qual um açoite
Que os povos não lhes servirão mais de bobos da corte
E que os defensores implacáveis da escuridão
Serão passados tanto quanto sua era de noite

Descobrimos, passo a passo, que somos a força motriz
A segurar de pé
Nossos próprios carrascos de má-fé

É primavera, aproveitemos o asé
Pra cortarmos de vez a crueldade pelo pé
E o mal capital pela raiz.

Deixo a visão aos ainda apáticos
E descrentes
Que esse baile plutocrático
Se tomado pela brilhante ralé por agora
Desobediente
Pode até ter final feliz.

Pois que se transforme a flora
E que se aflore a gente.



(Arthur Valente)

terça-feira, 20 de maio de 2014

Religare

De que vale a liberdade de poder dizer
Que vivo preso
À realidade que me foi ensinada a crer
Por senso
Como sendo a verdade inescapável de se viver?
Que peso...
Desde que comecei a de fato aprender
O quão denso se faz o ser
Ao estar enjaulado à máquina mortífera
E pouquíssimo frutífera
À qual, por vaidade, nomeiam como o viver

Morro todo dia ao não ver saída
Pra esta tão estranha
E contraditória
Forma de vida.

Corro pra encontrar a esperança quase perdida
E a invoco de minhas entranhas
Exaltando-a em minha oratória
Que torna-se morna por tanto já ter sido repetida

Abstraio os torpes valores que a mim são passados
E, desenganado, renovo os critérios
Continuamente
Do sagrado mistério
Que reina sob o barulho dos tambores
Tocados
Que ascende por entre os amores
Trocados
Que adoça a delícia dos sabores
Mesclados
E que ilumina a alma dos esperançados
Deixando-as mais brilhantes
Do que o brilho combinado de todos os cobiçados
Minérios


(Arthur  Valente)