quarta-feira, 16 de outubro de 2013

Pelo Privilégio Público

Chorei ouvindo um tal Chico
Pela voz, pelo poema
Mas mais pela lembrança
De uma tão doce infância
Que me serve de emblema
Ao compará-la aos atuais problemas
Com os quais tanto implico
E notar que, num paradoxal dilema,
Fui e sou, apesar do furo colossal nas finanças,
Comparado aos mais pisados pelo sistema
Muito rico

Pois, privilegiado sou ao ser vivido
De conhecimento aprendido sendo ou não estudado
Numa terra de perdidos e lesados
Por seus presentes e por seus passados,
E mais ainda por seus empregos desafortunados
E por suas fortunas de ouros perdidos,
Falidos e roubados

Assumo meu amor, meu desejo
Pela cor verde que ao passar, vejo
E digo, pois, que de tão linda
Vem-me remediar o fraquejo
E manter-me são
Porém, reconheço que, apesar do ser não ser só de pão
Esse, quando falta, mata a sanidade
E coloca o íntimo abaixo do cão

Portanto, devo dizer, em verdade
Que deste não grito a necessidade
Ao menos não ainda
Como em muitas mesas dos campos e das cidades
Sedentas e jogadas à falta de opção
Contrastando a terra mesma de Oxum encharcada
E da seca depravada que mutila a gente coitada
Do sertão

Tenho sorte de estar, agora,entre os coqueirais nutridos
Mas, ao olhá-los, encontro seu histórico ambíguo
Pois carregam bacias de sangue
Sob a areia
Sangue este deixado por artérias e veias,
Bebido e tristemente degustado
Pela miséria feia
Que afronta e massacra entre guetos e cadeias
Principalmente os de pele mangue

Abençoado sou, há quem diga
Mas peço atenção
A esta ensinada e propagada expressão
Aos desnutridos de corpo e de coração
Que a bênção só será quando for por todos conseguida
E quando não mais houver esquecimento divino
Acerca do brejo

E por conta da percepção à qual me inclino
Grito de dor aos meus pobres irmãos
De amor e de comida
Para que a mão de punhos cerrados
Seja finalmente erguida
E daí, em pública condenação,
Caem os privilégios.


(Arthur Valente)