quinta-feira, 26 de setembro de 2013

Autocrítica ao Todo

Acho graça nos radicais sectários Pois fecham a si mesmos Em seus imutáveis ideais Encondendo-os sob um véu arbitrário Guardando suas jóias atemporais Seus pedestais Em intocáveis e ilhados armários
E os vejo gritando e brigando Pelo alimento do ego Mascarando o Devir em traje chato E insensato Dado que, como dividir o pão, Degladiando-se ainda pelo prato?
Procuram o ideal na pureza Pra que emerja como se fosse divino E entram em conflitos contínuos Desprovidos de clareza Perdidos em seus dogmas E desígnios Como a plebe de discurso falido Voltando-se ao ar de nobreza
Pois, se posso opinar Descarto a pureza imposta Ao encontrar a verdadeira grandeza Na mistura Como ao poeta que é branco na crosta Mas no núcleo de ser Veste-se em pele escura Escrevendo o que da alma brota Inteligível só pela busca do ascender Da língua Mas mais belo pelas rasuras Pela míngua de frieza, de pudor E mais sábio por se deixar criticar
Que desfrutemos do nosso livre sonhar Em sublime e apaixonada aspiração Mas lembremos que o caminhar Só será evolução Quando nos propusermos a ouvir E aprender com a dita outra visão E que só pode ouvir quem espera o falar E que dar atenção é querer progredir E que progressão social é amar A imperfeição do viver Atentando-se à beleza do criar E, enfatizo, do servir Sem ser servo, nem barão
Sem presunção de antever O que ainda não se sabe se será
Mas num aglomerado de respeito E abertura Pra se encontrar a união das conjunturas E dos sujeitos Construindo, a despeito do ultrapassado A Revolução Para o que há muito se tem lutado E que sempre deve ser lembrado Sendo acesso ilimitado e compaixão
Chega de querer liberdade Pela segregação
Viva a individualidade sim! Mas só se chega ao fim Na concepção de Marx a Bakunin Pela cooperação.


(Arthur Valente)

segunda-feira, 23 de setembro de 2013

Às Mudas Arrancadas

Vi o pútrido representado pela inocência
De quem perdeu, de cedo, a confiança
Vi os choros mudos de carência
Bradarem, em coro, a violência
Sofrida na infância

Não vi seus rostos, mas suas almas
Grandiosas como só as de criança
Diminuídas pela matança
De sua ingênua e livre calma

Prenderam-nas no mundo do cinza
Onde o choro não sai e o tempo não para
Onde uma vez só dor vem e não sara
E onde o exemplo de maldoso faz cara
Tão monstruosa e profanadora quanto ranzinza

Chorei por elas todas e pelo resto
Pois não tentem convencê-las do amor quando já crescidas!
Depois das marcas, tão profundas feridas
Que lhes deixaram o semblante indigesto

Nada lhe passou a ser mais nefasto do que nós
A voz do futuro se cala em traumática vergonha
Pois mostraram-lhe que anda, por aqui, só
Cercada de exceções regradas e medonhas

Como vai este futuro
Poder um dia desfrutar do dionisíaco
Se lhe mostraram o que chamamos, em geral, paradisíaco
Como a uma cela infernal de medos
Cercada de muros?

Peso-me por elas e por todos
Pois nosso lodo é mais espesso
E nossa moral concreta em gesso
Nossa não, perdão
A moral a qual somos avessos, por imposição
Prova a cada dia que não só passara da idade
Mas que não serve nem de rodo, nem de balde
E assim ganha o lodo mais densidade
E afoga-nos em desumanização.


(Arthur Valente)

sábado, 14 de setembro de 2013

Aos novos jesuítas

Começo este trecho amargurado com o espírito às avessas Porque me torturo ao querer me sentir amado E amo tanto que me pego dançando em ódio árduo Sendo eu, pela vida, um completo esfomeado Ansioso e cansado a ponto de quase meter-me um tiro na cabeça
Ah... Que bom não estar armado... Mesmo não sabendo se o jargão é por questão de real defesa Ou só acostumado a ver a vida como superação
Única frente ao que chamamos de incerteza
Mas, bom, o que seria do humano, senão a eterna contradição? Onde um republicano apaixonado resgata, Num discurso recatado A fome, do desalmado, de ser cidadão Pra depois, já tronado e com nome Descarado, meter-se a dar ordenação Como um rei auto-intitulado Sendo , assim, mais um despótico renomado
Por academias de alienação
E ai me pego entre os conflitos da dialética histórica Pois são tantos os pontos cegos e os de vista E creio que me intelectualizo cotidianamente Pra vomitar, em seguida, numa poética retórica Vinculada pelo ego e pela eufórica mente
Que se engana ao se ver como lógica Pois nega de si mesma o poder dissidente Que vem da ótica do crente Junto à interpretação realística, Mas relativista e metafórica Como é mesmo o mundo e a gente.
E ai, bom, sou burro, disso sei E quanto mais vejo que li, o que estudei Mas me repito em citações daqueles que não conheci E mais almejo caminhos por onde mal ou nunca passei
Posso dizer que vivi, e que um dia morrerei Mas, perdão, meu saber concreto para por ai E há de haver ainda quem contradiga estas às quais nomeio Como leis Porque sempre há de haver quem seja contrário
Que bom, assim somos todos vigários aflitos Que deixarão filhos e escritos Para a próxima leva de revoltados proletários Neo-libertários de urros e gritos Acumuladores de vocabulário burguesado Ou bibliotecários exaltados e sem formação
Ou faremos revolução, como bichos, como burros Pra que os próximos caminhem sem montar Em seus próprios irmãos
Pra que, otimizando o especular,
Entre estes tais urros de libertação Aprendam, como deveríamos, em primeira mão Que instruir a socialização Nada mais é que amar.
Fim do sermão.


(Arthur Valente)

quarta-feira, 11 de setembro de 2013

Um Daqueles Subjetivamente Objetivos

Por que amo? Por quê? Por que sinto que quero perto? E deixo que venha a dor ao ser discreto Pois quero, o que não posso dizer? Por que clamo por prazer? Eu sei, somos íntimos, Mas pra quê? Se mal me deixa chegar em teu ser E me intimido, de forma que me apresso A finalmente te ter. Sem sucesso e com tentativas inexatas Perco-me em cantadas baratas E promovo sugestões insensatas Na vontade inapta de te ver derreter E como queria que fosse minha Não, não! Mentira mesquinha. Perdão Queria que fôssemos um só no colchão E que víssemos, juntos, o dia renascer Sem pressão de ser Nem de obrigação Mas só por satisfação De saber que fomos e somos Sendo o todo, nós, serão O verão mais caloroso Que o amor já viu nascer Ave, merecer! Salva-me da mercê, Pois ponho-me em tua mão E de teu coração Nada espero, mas tudo quero Bater.


(Arthur Valente)

terça-feira, 3 de setembro de 2013

Ao filósofo boêmio canino



Sinto-me como um velho sábio
Ancião de memória
Mas sou tão novo de história
E de glórias, diga-se de passagem, 
Quanto aos mais novos de minha geração
Aos quais reconheço, mesmo que avesso
Em certa ocasião,
A reflexão de minha própria imagem

Pois sou um pão francês 
Em meio ao que estupidamente nomeio
De pães de mês

Mas, ora, que enganação
Pois quando nos passarmos à mão do freguês 
Sem coração
As diferenças em nossas essências
Serão apenas objetos de apreensão
Pra decidirem a quem comerão primeiro
E seremos mastigados, deglutidos
Digeridos e em ação descomidos
Pela nossa própria desunião

Sou um chão de bagagem
Mas, pesado em meu próprio peso
Um animal pobre e indefeso
Crendo manter em si preso
O novo de mutada linhagem

Êta, molecagem! Êta, afobamento!
De querer ser homem por ter tantas primaveras
Pré-designadas como amadurecimento 
Em quase todas as esferas
Num sistema de ensinada vassalagem

Não exatamente como antigamente era
Talvez mais inteligente seja esta
Subliminarmente mais severa
Mais convincente

Ah... Que pena do mundo!
Que pena de mim, da gente
Que pena que a humanidade
Contenta-se em ser demente
Por crer em diabos fecundos
Travestidos de celibatários cristãos 
Enquanto chama de moribundo
Quem tem carência de opção

Às ladradas do cão, meu uivo descamba 
Por querer barulho
E faço tal homenagem ao irmão de samba
De renovação e de bagulho
Pra que não nos calemos
Pois, pequenos, ah, não! Não somos
Somos inteiros Axé
Fé e inspiração
Paixão pela luta e pela reconstrução

Somos, meu querido barão da ralé
Um realismo místico 
Entre outros ismos artísticos

Somos galliardismo
E bem sabes o que isto é
Em ascensão.



(Arthur Valente)