segunda-feira, 23 de setembro de 2013

Às Mudas Arrancadas

Vi o pútrido representado pela inocência
De quem perdeu, de cedo, a confiança
Vi os choros mudos de carência
Bradarem, em coro, a violência
Sofrida na infância

Não vi seus rostos, mas suas almas
Grandiosas como só as de criança
Diminuídas pela matança
De sua ingênua e livre calma

Prenderam-nas no mundo do cinza
Onde o choro não sai e o tempo não para
Onde uma vez só dor vem e não sara
E onde o exemplo de maldoso faz cara
Tão monstruosa e profanadora quanto ranzinza

Chorei por elas todas e pelo resto
Pois não tentem convencê-las do amor quando já crescidas!
Depois das marcas, tão profundas feridas
Que lhes deixaram o semblante indigesto

Nada lhe passou a ser mais nefasto do que nós
A voz do futuro se cala em traumática vergonha
Pois mostraram-lhe que anda, por aqui, só
Cercada de exceções regradas e medonhas

Como vai este futuro
Poder um dia desfrutar do dionisíaco
Se lhe mostraram o que chamamos, em geral, paradisíaco
Como a uma cela infernal de medos
Cercada de muros?

Peso-me por elas e por todos
Pois nosso lodo é mais espesso
E nossa moral concreta em gesso
Nossa não, perdão
A moral a qual somos avessos, por imposição
Prova a cada dia que não só passara da idade
Mas que não serve nem de rodo, nem de balde
E assim ganha o lodo mais densidade
E afoga-nos em desumanização.


(Arthur Valente)

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