quarta-feira, 17 de setembro de 2014

Dos Desabafos

Não ligava muito ao fato
De que durmo como pedra e,
Como pedra, não sonho quando durmo
Porque antes sonhava acordado
Mesmo e apesar do mundo medonho
Que em meu entorno se põe exclamado
E mesmo e apesar do céu acinzentado
Que encobre o sol pacato
Durante o período diurno

Mas ultimamente parece que me empedrei por completo
Tanto que até faço uso de palavra nova e recém-inventada
Porque me falta vocábulo pra conceber onde, como e quando, neste trajeto
Aconteceu de minha sede de sonhar ter sido soterrada
E nem ao menos eu poder saber se encoberta foi pelo concreto

Acho que não.

Acho que talvez deva mudar de ramo, sair da arte
Viver de objetivos plausíveis, de conta no banco
De mentiras bem contadas, de cegueira auto-imposta
Pra nadar num rio de bosta
Achando que é isso mesmo, sei lá,
Que faz parte.

Mas não consigo..

Reza a lenda, diz o poeta, o profeta, tanto faz
Que quando se dá um passo a frente, o único problema
É que não se pode voltar mais atrás
E ai se vive o dilema que fica ali posto
De não saber se é melhor viver ignorante e abraçar o sistema
Ou saber que existe, ter a consciência como lema
E morrer de desgosto.

Mas, veja, mundo feroz, hostil e doente
Que nem todo o mundo é gente, quando vista de cima
Que nem todo o mundo pode escolher ignorar teu discurso prepotente
A qual fazes e desfazes, cria prédios, cria cidades, quebra o clima,
Pra deixar a ti mesmo, ó grande entidade,
Sempre forte e potente.

Dane-se! Quer saber?! Se até os sonhos me roubastes,
Vou viver de esperança, de inspiração, de resistência e conhecimento
Porque sei que esses quatro estandartes
Não importa o tempo, o espaço, nem o momento
Só podes tomar de mim se, enfim,
Me matares.

E digo já que não tenho mais medo da demência
Da repressão, do tormento nem da tua tão amada e tentadora ganância
Tenho medo é de ter medo da tua face e, numa temerosa incoerência,
Ver em ti alguma segurança.

Morro de fome ou do que tu quiseres me matar
Mas morro de consciência tranquila
E te garanto, ó santo patriarca da família
Que antes do fim ainda volto a sonhar.


(Arthur Valente)