segunda-feira, 8 de julho de 2013

Desabafo Analítico do Indigesto

A beleza da vida, hei de lembrar
Está contida na imperfeição contínua
Na alteração repentina que busca alcançar
A plenitude a que tudo se inclina
Sem nunca se planificar.
Pois pra cada cena, ato, momento
Sopra o vento de uma forma única
E não há de existir véu ou túnica
Que protejam o velho rabugento
Já passado
A se tornar só um contento ultrapassado
Amaldiçoado em ser deixado
Quase como fosse calúnia
Reprimido em seu repertório lento
Pobre, intolerante e transtornado
O caos, por essência
É o parto da mudança
A dor ansiosa da paciência
Que convulsiona-se sem cadência
Pra atrair a sonhada bonança
É a válvula de ação da descrença
Pro que já não mais avança
Ou um pedido de desistência
Ou um gesto de resistência
Ao mestre-sala que dança
Não mais por liderança
Mas por orgulho torpe e teimosa persistência.
Pois não hei de esquecer também
Que o perigo da constante inconstância
É sujar-se em intolerância
Com sua sucessora que logo vem
E que não mais por temperança
Nos destemperemos a crer na violência
Dos que sentenciam nossa potência
Paixão, eloquência
E convicção na crença do novo em ascenção
À fala tímida e mansa.
Que não nos calemos quando o novo gritar
E bradar que agora é sua vez de agir
Pois nasce este pelo o que nos fizeram engolir
E vive para que aprendamos finalmente
A mastigar.

(Arthur Valente)

quarta-feira, 5 de junho de 2013

And I'm feeling good


Cigarro, cachaçada
Ressaca de blues
Um sarro, um sorriso de farsa
Cuspidos e escarrados
Em pus

Um céu negro como Nina
Um velho tempo que se inclina
Ao novo boa praça
Resplandecendo luz

É um novo dia, mas o dom é o mesmo
E se tentaram me deixar a esmo
Enganaram-se em jus

Porque já não mais calado
Alcanço o dia rebuscado
Sem medo de ser ofuscado
E pondo-me guiado
Ao calor solar que
Em meu corpo cansado
Se alastra e se conduz

Deixe que renasça
Deixa, que passa
Passado, presente
Futuro proeminente
Que nasce da semente
Que eu, indigente
Solenemente, só de pirraça
Pus.


(Arthur Valente)

quinta-feira, 30 de maio de 2013

Sem Querido

Era uma daquelas
Que, apesar de bela
Não sei bem se queria

Ai, sem querer
Juntei realidade e fantasia
Entre conto e poesia
Feitos à luz da janela

Escrevi sobre sorte sofrida
Sobre corte e ferida
Sobre vida e sobre morte

E zen,
No escuro que faz-se de açoite
Produzi contra os muros da noite
Ao lado de ninguém
Até o alvorecer

Ao final, por bem,
Fui cair feliz
E se sem querer, quis
Sem querer, me refiz
Aprendiz a crescer

E tudo a quem,
Bem, mas sem querer
Eterniza-te acaso
Faz-me refém
Mas só por ser,
Sem querer,
Amém


(Arthur Valente)

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

Canto de despedida


Eu vou
Vou como Caetano sugeriu
Como Jack escreveu
Como foram Chris, Bob e Jim

Vou como a estrela que caiu
Como um louco no apogeu
Que busca somente
Buscar um fim

Vou como se vai
Como se deveria ir
Desbravando meu íntimo
Meu Abel, meu Caim

Vou como quem sai
Como quem só quer sumir
Criando, quieto, meu ritmo
Que não aguenta mais guardar-se em mim

Vou fundo, de cabeça
Mas, ah! Sem hipocrisia
Vou leve, como poesia
Querendo que a vida aconteça!

Vou por ser criança
Por ter me faltado crescer
Por ser, estar e crer
Que em mim ainda há esperança

Vou por ser fraco
Por ser ignorante e pobre
Por não trocar-me por cobre
E por já ter o semblante opaco

Vou por ter perdido o gosto
Por faltar-me vontade
Porque vivo em infeliz cidade
E pela infelicidade tomar-me o posto

Vou porque me mandaram
Porque fui deixado
Pois já só e destroçado
Me viram em cacos e pisaram

Vou pra não ir de vez
Pra ainda tentar manter-me são
Pra não mais juntar as mãos
E orar minha invalidez.


(Arthur Valente)

terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

Aos Poetas


Poeta de vida e de morte
Escrevo porque sinto, porque penso e porque sou
Rabisco minhas fraquezas, pois assim sinto-me forte
E declamo meus pesares, procurando alçar voo

Sou político, escrachado, diplomático e violento
Livre pensador, por momento, enjaulado
Encontro cores soltas nos dias mais cinzentos
E caminho contra o vento junto aos nobres rejeitados

Simpático, atraente, indiferente e invisível
Saliente e tímido com as mulheres que almejo
Por vezes aclamado, e outras imperceptível
Vou de lobo prepotente a assustado caranguejo

Expondo meus critérios, admiro quem me ouve
Mas ressalto ainda mais os que me fazem ouvir
Minha arte é flor que nasce, pra cozida, virar couve
Sou o conjunto disso tudo e o que me falta descobrir.

quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

Escolhas

Eu sou dos que vivem pela vida
E não só pra viver
Eu sou daqueles que encontram a saída
Onde outros tantos jamais vão percorrer

Sou do sexo sem nexo,
Somente pelo prazer
E sou também do amor perverso,
Que vem e vai sem se perder.

Sou dos bares, dos ares da noite da selva de concreto
Sou dos sublimes desafetos,
Que a sociedade insiste em esconder

Bohêmio, bêbado, poeta, vagabundo
Sou o limpo mais imundo
Que se possa conhecer

Eu sou a dor, a doença
Que se faz de cura do ser
Eu sou o despudor e a presença do bem,
Que bom mesmo, jamais vai ser.

(Arthur Valente)

quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

Certeza Incerta


Algumas vidas são breves como suspiros
Outras são como espirros
Soltas pelo vento e ecoando do nosso meio
Ao vácuo da morte,
Que, as vezes, por momento
Seja destino ou questão de sorte
Esquece-se de levar a quem já clama por mamar em teu seio
De quem da foice, já anseia o corte.

Algumas vidas são mortes ambulantes,
Que pegas em flagrante
Desdenhando a própria presença
Caem no abismo do existir, sem ter existência

Mas, afinal, são todas vidas
Que de brincadeira ou seriedade
Vêem-se falidas, quando lhes chega a verdade.

A verdade do fato irrefutável ao ser
De que nada é  mesmo inviável, improvável ou inalcançável
Até o Sol não mais nascer.


(Arthur Valente)