segunda-feira, 28 de outubro de 2013

Espelho Desgastado

O poeta é o mais burro entre todos os bichos
Pois, como o jumento, solta intermináveis urros de reclamação
E faz pouco de todos os nichos que habita
E se adapta
Pois é um eterno insatifeito consigo próprio
Ao mesmo tempo em que exalta a si mesmo e a todo o restante
Que alcança sua demente visão.

Aberração
Da contradição insensata que é viver como se fosse vocação
E se deixar pisar como se fosse barata
E é batata que vai morrer, mais dia ou menos dia,
Afogado em sua torpe mania de não saber lidar com sua efervescente
Indecente e vadia paixão.

É o inútil, inexato e inconstante
A mula que empaca ao ignorar o berrante
Brincando de alpaca ao cuspir de amor
E engasgar de dor num próximo instante.

Entediante por viver da rotina desregrada
Afinal, quem aguenta tanta mudança? Tanta esperança por nada?
Tanta vontade de ser criança encantada que por ter a mente ocupada
Numa frenética e caótica dança
Esquece-se de manter atenta ao fato de que não pode alcançar
Ao menos, não desta forma desordenada,
Mais do que seu braço alcança.

Assumo a imbecilidade.
Não me sigam, nem me ouçam.
Não sou nada além da vaidade do ser combinada
Às sensações abstratas que de mim se apossam.

Não sou inteligente, nem inteligível
Não sei sintetizar mais do que já me fora deglutido
Após tanta mastigação do que não pode nem ser crível
Nem ensinado, tampouco sabido.

Ouçam os pragmáticos e os cientistas
Pois de nada servem os idealistas sonhadores e empáticos.
São, como eu, os piores enganadores
Pois são, fazendo-se guerreiros, trovadores estáticos.

Apocalíptico sou mais por gosto, talvez
Que por desgosto de assistir ao declínio do concretismo
Cético e crítico, mas só com o que de fato sismo
Proletário, revoltado e revolucionário
Mas burguês.

Sou pau - de-virar-tripa! - pois já nasci torto e desendireitado
Indesejado até por quem diz me amar
E vivente afinco, todo o dia, quase morto
Ativo e invariavelmente cansado.

Assim sou e já aviso pra não haver mais enganação
E só não peço perdão porque, como se não bastasse, por fim
Sou também mal-educado.


(Arthur Valente)

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