quarta-feira, 1 de outubro de 2014

Diálogo Reflexivo

Explodia de ódio ao olhar a torpe figura
Que delirava ao céus pedindo por misericórdia
Não contentava-se em ser da discórdia
O semblante mais claro e a mais pomposa postura
Ainda se dava o direito de chorar amarguras
Como se fosse ele a vítima de sua própria secura
Como se o choro fosse de si uma espécie da paródia

Lembrava-o que tinha sido criado pra ser rei
E que como todo déspota construído não podia sentir
Que cada traço de sua alma era um fragmento da lei
Que rege da sociedade ao ato de oprimir
Que era ele o motivo da violência
E da ausência de suporte a quem não tem o direito de existir

E foi então que ele me disse estar arrependido
Que sendo assim, se pudesse, nem tinha existido
E eu ri agraciado pela facilidade do discurso
Mas sabia que sua vontade não passava de recurso
Pra tentar ser aceito e contemplado pelos que maltratou
E adentrar o universo da dor que jamais o preocupou

"Pois se este é seu desejo, jovem príncipe branco,
Frio e assassino como a própria neve de inverno brusco,
É seu trabalho se quebrar em pedaços minúsculos
E se refazer à luz dos que, por sua existência, viveram a vida em trancos
Construídos socialmente pelo o que nomeia o consenso como essência

Mas, veja bem, que uma vez quebrado o pilar do falso ser
Que, na verdade, é estar,
Não há caminho para o qual se possa voltar e estará fadado
A ficar marcado como um injustiçado
Lutando pra sobreviver
E pra um dia ter seu direito de viver assegurado

E saiba que pra cada pedaço seu despedaçado
Há de vir crescer um pouco mais seu coração
Mas na medida em que puder sentir de fato o mundo em seu entorno
Também aumentará a dor, a cada vez que errar, da frustração
Abrindo mão de sua nobreza injusta e detestável
Se tornará mais nobre de espírito, mais forte e apaixonado
Mas também mais vulnerável
Ao pior que os, assim como você hoje normatizam a diversidade,
Podem fazer pra verem morrer aquilo que no mundo é mais bonito e inabalável
A rama inacabável das possibilidades

Quer lutar pela justiça, pela liberdade e pela nova era?
Então, não espera e começa a se quebrar como mineiro
Mas lembra todo o dia que o mal não morre nunca por inteiro
Que estará sempre a disputar sua alma, por mais que seja ela sincera
Que lembrará sempre dos tempos em que não precisava fingir à regra
Porque era a regra brincando de exceção
Mas não se deixe ajoelhar a tal sermão e foge do poder do dinheiro
E lembra que o desejo de ser aceito não pode ser a fera
Que irá deixar tua bondade cega
E fará com que abandone suas irmãs e irmãos
Para ser, mais uma vez, do exército, não da revolução
Mas dos herdeiros do trono do opressão.

Seu destino nunca cela até que o momento do fim venha
Então não faça pouco de seu esforço, mas não pense que a mudança virá logo
Lembra todo o dia do tudo que está em jogo
Lembra que ser do corpo da resistência depende da sua prática
Lembra que a estratégia não tem importância se não há ação tática
E que ainda vai se magoar muito e principalmente a quem ama
Mas que isso não motivo pra se entregar à norma estática
Perversa e cruel a deixar o mundo, aos vivos, como afundados numa poça de lama

Boa luta, jovem guerreiro
Se apega em quem te demonstra lealdade e carinho
Toma cuidado na trilha, mas saiba que não está sozinho
E não tem pressa que os últimos ainda hão de ser os primeiros."



(Arthur Valente)

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